por: Jorge Bandeira*
Elenco de atores da peça Eretz Amazônia de Marcio de Souza, baseada na obra homônima de Samuel Benchimol |
O Tesc apresenta mais uma produção teatral, num trabalho que praticamente emenda uma produção teatral com outra, demonstrando fôlego na atualidade do Teatro Amazonense, elevando seu repertório, garantindo, desta forma, a continuação de sua jornada teatral. Temos agora em Manaus a montagem de Eretz Amazônia, dramaturgia de Márcio Souza elaborada a partir de obra do importante pensador da economia amazônica, o saudoso professor Samuel Benchimol.
Eretz é um termo hebraico que remete, historicamente, aos caminhos e descaminhos do povo judeu à Terra de Israel, e não seria necessário lembrar neste pequeno artigo de crítica teatral que as andanças judaícas foram responsáveis pela formação de vários povos, entre eles, o brasileiro, e ERETZ insere esta importância ao rincões da Amazônia, de Belém a Manaus a influência decisiva da cultura hebraica fincou raízes sólidas nestas ensolaradas paragens.
A incorporação dos elementos ritualísticos, de aspectos econômicos, do prosaico e de um certo humor judaico fazem de ERETZ uma peça didática e objetiva sobre os percalços deste povo na densidade calórica amazônica, e a densidade aqui refere-se não só ao clima tórrido, mas às atribulações dos judeus amazônidas, nas mais diversas categorias de inserção (ou não!) social. Márcio Souza soube tirar proveito do cabedal de reminiscências de Benchimol e colocou em palco um texto aprazível, com atores e atrizes percorrendo de forma eficaz este “túnel do tempo” que levou, leva e continuará transportando uma história feita de intensas lutas para fugir do preconceito e do racismo, o que infelizmente não acabou, vista que até hoje pensamentos anti-semitas transitam feito um câncer que se espalha a partir do ódio e do rancor.
São sete sessões ou quadros, divididos em Celebração do Shabat, Na Solidão Amazônica, Vítimas da Migdal, A Vida de Regatão, Que Venga Los Otros, O Encontro dos Irmãos, Judeus Perdidos na Selva. Estes quadros, feito esquetes que se interligam pela narradora/cantora soprano Carol Martins e sua bela voz, com o acompanhamento sempre eficiente da Banda do Tesc, que preenche o espaço sonoro a partir de um praticável suspenso (mezzanino), o que dá um tom plástico muito bonito ao “teatrinho do Sesc”, local que funciona de forma ininterrupta, com várias peças ao longo do ano. A música é charmosa e bem executada, o espanhol é escutado em sua dramaticidade, na língua falada pelos primeiros judeus que aqui aportaram, oriundos do Marrocos espanhol. Lembro aqui, aos fazedores teatrais, que Fernando Arrabal nasceu em Melilla, no Marrocos espanhol.
O processo histórico-religioso percorre ao longo da peça os anos de 1880, em pleno auge do extrativismo da borracha amazônica, até 2010, com um evento recente e de grande repercussão na imprensa local, quando membros de uma tradicional família judaíca perderam-se numa excursão, numa mata fechada e de difícil acesso, sendo resgatados depois de algum tempo em meio aos perigos da Floresta Amazônica, entre feras selvagens e mosquitos.
A maquiagem pesquisada por Franck Padilha é feita na medida exata para rompantes de sofrimentos, como na cena tocante do regatão judeu e sua querida esposa. O figurino de Denise Vasconcelos consegue projetar aos espectadores todo um conceito de vestimentas que são dinâmicas, como a passagem do tempo histórico, e não exagera ou amplifica nenhum adereço ou roupa de personagem, o que torna a encenação de Márcio Souza vívida nos aspectos do Teatro Realista.
O trabalho do elenco, de forma geral, é de uma limpeza cênica que somente se intensifica nos momentos de euforia ou confusão, ou mesmo nos silêncios de um sentimento de perda ou dúvida quanto ao papel de um determinado personagem. Aliás, esta angústia existencial, é outro mote esclarecedor do texto que se coloca em cena com muita precisão, lembrando a trajetória de um ilustre judeu, Franz Kafka. E os atores e atrizes desempenham suas funções sem apelos dramáticos desnecessários, e Márcio, mais uma vez, foge do lugar comum e não transforma seu Eretz num panfleto feito de choro por um passado recente devastador aos judeus, seu Teatro, perspicaz, foge deste viés e coloca os judeus em um plano de grande importância, e o que é melhor, fragmenta os protagonistas em pequenas células histórico-teatrais, onde todo o povo judeu é contemplado dentro de sua diversidade.
É uma visão não fundamentalista do judaísmo, o que, em matéria de arte, muito nos enobrece, muito nos enriquece. A mensagem é Shalom, a paz necessária, seja em qualquer religião deste planeta, em qualquer agnosticismo, inclusive. Lembro que nos anos 80, na Zonarte do SESC, assisti deslumbrado ao trabalho da Iskon (Associação Internacional para a Consciência de Krishna) numa destas importantes mostras de Teatro, e assim como Eretz, a centelha da diversidade religiosa tocou a muitos que assistiram ao ritual Hindu que tratava de uma de suas inúmeras deidades.
Por isso Eretz tem tanta importância em nossa cena atual, que nos aspectos da religião está contaminada de sectarismos, seja por um “teatro cristão de circunstância estética duvidosa ou mesmo por sandices e crenças absolutamente ultrapassadas e retrógradas, onde um Teatro vira um pastiche fútil na mão destes artistas que tem uma viseira de cavalo nos olhos, indo sempre numa direção maniqueísta de eliminar o diferente, e isso sim, creio que seria um nazismo teatral!”.
Eretz faz a redenção do povo judeu sem precisar de um caçador de nazistas, um Simon Rosenthal, a força de sua encenação já é um tiro certeiro é lírico, uma forma bem mais eficaz de levar a história do povo de Israel, o velho e bom Teatro feito com apuro, dedicação e pesquisa. E só, basta.
A cena final em que os perdidos na selva encontram ao “Rabino Santo” é um dos pontos altos de Eretz, um momento onde o humor judaíco transborda no palco, levando ao riso aos espectadores, numa cena antológica que se finaliza com uma piscadela, no fechar do olho esquerdo de um ator talentoso, o “Rabino-Santo Muyal, Emerson Nascimento”. Só faltou uma coisa em Eretz, de quem senti falta: daquele baixinho de óculos iluminando mais uma vez a cena amazonense. Obrigado Lázaro! Pronto, terminei este texto chorando...
Eretz é um termo hebraico que remete, historicamente, aos caminhos e descaminhos do povo judeu à Terra de Israel, e não seria necessário lembrar neste pequeno artigo de crítica teatral que as andanças judaícas foram responsáveis pela formação de vários povos, entre eles, o brasileiro, e ERETZ insere esta importância ao rincões da Amazônia, de Belém a Manaus a influência decisiva da cultura hebraica fincou raízes sólidas nestas ensolaradas paragens.
A incorporação dos elementos ritualísticos, de aspectos econômicos, do prosaico e de um certo humor judaico fazem de ERETZ uma peça didática e objetiva sobre os percalços deste povo na densidade calórica amazônica, e a densidade aqui refere-se não só ao clima tórrido, mas às atribulações dos judeus amazônidas, nas mais diversas categorias de inserção (ou não!) social. Márcio Souza soube tirar proveito do cabedal de reminiscências de Benchimol e colocou em palco um texto aprazível, com atores e atrizes percorrendo de forma eficaz este “túnel do tempo” que levou, leva e continuará transportando uma história feita de intensas lutas para fugir do preconceito e do racismo, o que infelizmente não acabou, vista que até hoje pensamentos anti-semitas transitam feito um câncer que se espalha a partir do ódio e do rancor.
São sete sessões ou quadros, divididos em Celebração do Shabat, Na Solidão Amazônica, Vítimas da Migdal, A Vida de Regatão, Que Venga Los Otros, O Encontro dos Irmãos, Judeus Perdidos na Selva. Estes quadros, feito esquetes que se interligam pela narradora/cantora soprano Carol Martins e sua bela voz, com o acompanhamento sempre eficiente da Banda do Tesc, que preenche o espaço sonoro a partir de um praticável suspenso (mezzanino), o que dá um tom plástico muito bonito ao “teatrinho do Sesc”, local que funciona de forma ininterrupta, com várias peças ao longo do ano. A música é charmosa e bem executada, o espanhol é escutado em sua dramaticidade, na língua falada pelos primeiros judeus que aqui aportaram, oriundos do Marrocos espanhol. Lembro aqui, aos fazedores teatrais, que Fernando Arrabal nasceu em Melilla, no Marrocos espanhol.
O processo histórico-religioso percorre ao longo da peça os anos de 1880, em pleno auge do extrativismo da borracha amazônica, até 2010, com um evento recente e de grande repercussão na imprensa local, quando membros de uma tradicional família judaíca perderam-se numa excursão, numa mata fechada e de difícil acesso, sendo resgatados depois de algum tempo em meio aos perigos da Floresta Amazônica, entre feras selvagens e mosquitos.
A maquiagem pesquisada por Franck Padilha é feita na medida exata para rompantes de sofrimentos, como na cena tocante do regatão judeu e sua querida esposa. O figurino de Denise Vasconcelos consegue projetar aos espectadores todo um conceito de vestimentas que são dinâmicas, como a passagem do tempo histórico, e não exagera ou amplifica nenhum adereço ou roupa de personagem, o que torna a encenação de Márcio Souza vívida nos aspectos do Teatro Realista.
O trabalho do elenco, de forma geral, é de uma limpeza cênica que somente se intensifica nos momentos de euforia ou confusão, ou mesmo nos silêncios de um sentimento de perda ou dúvida quanto ao papel de um determinado personagem. Aliás, esta angústia existencial, é outro mote esclarecedor do texto que se coloca em cena com muita precisão, lembrando a trajetória de um ilustre judeu, Franz Kafka. E os atores e atrizes desempenham suas funções sem apelos dramáticos desnecessários, e Márcio, mais uma vez, foge do lugar comum e não transforma seu Eretz num panfleto feito de choro por um passado recente devastador aos judeus, seu Teatro, perspicaz, foge deste viés e coloca os judeus em um plano de grande importância, e o que é melhor, fragmenta os protagonistas em pequenas células histórico-teatrais, onde todo o povo judeu é contemplado dentro de sua diversidade.
É uma visão não fundamentalista do judaísmo, o que, em matéria de arte, muito nos enobrece, muito nos enriquece. A mensagem é Shalom, a paz necessária, seja em qualquer religião deste planeta, em qualquer agnosticismo, inclusive. Lembro que nos anos 80, na Zonarte do SESC, assisti deslumbrado ao trabalho da Iskon (Associação Internacional para a Consciência de Krishna) numa destas importantes mostras de Teatro, e assim como Eretz, a centelha da diversidade religiosa tocou a muitos que assistiram ao ritual Hindu que tratava de uma de suas inúmeras deidades.
Por isso Eretz tem tanta importância em nossa cena atual, que nos aspectos da religião está contaminada de sectarismos, seja por um “teatro cristão de circunstância estética duvidosa ou mesmo por sandices e crenças absolutamente ultrapassadas e retrógradas, onde um Teatro vira um pastiche fútil na mão destes artistas que tem uma viseira de cavalo nos olhos, indo sempre numa direção maniqueísta de eliminar o diferente, e isso sim, creio que seria um nazismo teatral!”.
Eretz faz a redenção do povo judeu sem precisar de um caçador de nazistas, um Simon Rosenthal, a força de sua encenação já é um tiro certeiro é lírico, uma forma bem mais eficaz de levar a história do povo de Israel, o velho e bom Teatro feito com apuro, dedicação e pesquisa. E só, basta.
A cena final em que os perdidos na selva encontram ao “Rabino Santo” é um dos pontos altos de Eretz, um momento onde o humor judaíco transborda no palco, levando ao riso aos espectadores, numa cena antológica que se finaliza com uma piscadela, no fechar do olho esquerdo de um ator talentoso, o “Rabino-Santo Muyal, Emerson Nascimento”. Só faltou uma coisa em Eretz, de quem senti falta: daquele baixinho de óculos iluminando mais uma vez a cena amazonense. Obrigado Lázaro! Pronto, terminei este texto chorando...
*Jorge Bandeira, historiador, pesquisador de teatro, crítico teatral, autor de espetáculos adultos, a exemplo de As Donas do Apocalipse. Manaus, 11 de outubro de 2010.(vicaflag@hotmail.com)
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